Friday, December 01, 2006

Memento

Dou comigo no centro da pista, enrolando uma dança de que me julgava incapaz, à espera que alguém me pregasse com uma garrafa no centro da cabeça. Nada! Às vezes é melhor desfalecer do que adormecer. Desfalecer é mais puro. Eu acho!
O bar está repleto de machos de peito ao léu, alguns com enormes terços pendurados. Ele há cada uma! Há alguém que se solta e foge. Olham para mim. Quando assim é é lixado: Só eu sei que não fui eu e nem me adianta jurar. É um dos poucos segredos que conseguimos manter mesmo que não queiramos.
Há um par que inicia ali mesmo uma relação. Há cinquenta pares que iniciam ali mesmo uma relação. Adoro a facilidade com que hoje em dia se inicia uma relação.
Decido concentrar-me na dança para dela me distrair abruptamente. Uma loira e uma morena, acabadinhas de chegar, esboçam um sorriso só para mim. Duvido. Duvido feliz mas vacilante. Os caçadores de rosários ao peito duvidam também. A injustiça social favorece-me nesta fase da minha vida. A loira chama-me com a sua mão esquerda. Fico inseguro - grande roto eu sempre me saio. Respondo-lhe com a minha mão direita para que seja ela a vir ao centro da pista – gosto de jogar em casa. Diz que não. Repito. Diz que não. Repito. Diz que não. Repito. Diz que não. Ganho coragem. Ela tem mais ou menos 1,90 m de altura, com salto, faça-se notar. É agradável ter tantos centímetros de beleza à nossa frente. Pergunta-me num mau inglês se falo inglês. Arrisco com um sim de cabeça para encetarmos uma conversa que naqueles locais é sempre de surdos. Raramente consigo conversar numa discoteca: O barulho fere-me os ouvidos e o álcool adormece-me a língua. “Blá, blá, blá”. Digo-lhe que sou do norte do país e ela diz-me que é da Rússia e se quero ficar com ela em particular. Perplexo, perco-me à volta dos conceitos. Particular não radica da mesma fonte que privado. Uma pessoa pode ter um particular sem tem um privado, não é assim? O particular está associado à ideia de exclusivo. O privado não tem a ver com exclusividade, tem a ver com intimidade. Até onde um particular significaria para ela um privado? Ou seria, para a russa e para os russos, um particular a mesma coisa que um privado? Não se baralharia com o inglês, sempre falado no presente mesmo quando se referia ao passado, sendo um privado que ela se propunha a oferecer-me?, um privado de 1,90 m de altura? Privado é o contrário de público. Particular é o contrário de universal. Tomar uma cerveja numa das mesas do bar, rodeado de uma centena de pessoas, era sem dúvida um particular, pelo menos até ao preciso momento em que a cerveja terminasse ou o restante povo se sentasse na nossa mesa. Depois, ou teria que mandar vir mais uma cerveja, ou a coisa viraria universal – por expropriação. Um privado até pode meter cerveja mas tem que meter mais qualquer coisa, tem que ser mais íntimo, não é assim?
É sempre isto! Perco-me nos conceitos e na raiz das coisas. Há sempre um mas ou um mais que para mim resulta num menos: É um pêlo a mais, uma palavra a mais, numa frase a mais, uma hesitação a mais. Uma porra a mais!
Como seria de esperar fiquei, entretanto, sem conversa. Eu gosto de discutir a vida e a vida não se discute com “iésses” nem “nous”. Disse-lhe que tinha que ir embora e que amanhã continuaríamos. Senti-me, por um lado, aliviado. Sei que não funciono bem sem, pelo menos, me fingir apaixonado e esse fingimento só me vem depois de um número razoável de dias. Grande praga me rogaram!
Saí de fininho… Os caçadores, fazendo figura de abutres, atacaram.

7 Bocas:

Anonymous Anonymous Disse...

Deixa o teu medo de ser.

10:55 AM  
Anonymous Anonymous Disse...

Sempre me saiste cá um anjinho!!!

3:17 PM  
Anonymous Anonymous Disse...

Bem...
Quando uma loira de 1,90m (de beleza) se dirige a alguém que não conhece numa discoteca, isso só pode significar que essa pessoa é podre de boa e, no mínimo, dá mais nas vistas do que qualquer caçador de rosário ao peito.
Foi aqui que surgiu a minha curiosidade...
É esse o teu caso? És homem para pôr 1,90m de beleza inteirinha dirigida a ti?
Ou és apenas um grande convencido? Ou melhor ainda, vives num mundo de ilusão e ainda acreditas que isto te poderia acontecer...
Também não podemos esquecer a hipótese da "nossa" amiga loira não estar interessada no aspecto físico, e, assim sendo, surge-me uma outra curiosidade! Não me digas que és daqueles (bem piores que os de rosários ao peito) que gostam imenso de mostrar que têm muito dinheiro!! Já te estou a imaginar, grande cota, a dançar no meio da pista, com um porta chaves bem vistoso na mão, assim como quem não quer a coisa, a indicar que lá fora te espera um porschezito ou um ferrari... Não há loira que resista!
Bem, este texto deixa realmente a minha imaginação muito activa e só por isso, os meus parabéns!

11:21 PM  
Anonymous Anonymous Disse...

É tudo uma questão de alturas.
É que o nosso amigo proprietário deste blog também tem 1,90 m e, por isso, costuma inspirar o ar que a maioria dos mortais (Portugueses, é claro)não consegue.
Só falta saber se isso abona a seu favor ou não...
Eu, a este respeito, reservo a minha opinião e não me pronuncio.

2:58 PM  
Blogger Temp Disse...

Eu trago sempre um porta-chaves pendurado bolso direito das calças, para o que der e vier. É um jaguar prateado que ali se exibe pendurado, mas as chaves que dentro do bolso se escondem são de um peugeout 206, "HDI, faça-se notar". Ao chegar ao carro há sempre o repetitivo desassombro do "ah... mas é um Peugeout!". Eu, inseguro de mim mas totalmente seguro do carro, digo: HDI, faça-se notar! HDI, faça-se notar!

3:12 PM  
Anonymous Anonymous Disse...

Isto partindo do princípio que as consegues convencer a acompanharem-te até ao carro!!!

5:10 PM  
Anonymous Anonymous Disse...

e vem um gajo destes dizer que andar de muletas é de roto...dass

2:33 PM  

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